DIÁLOGO IGREJA-MAÇONARIA: UMA OPINIÃO RESPEITÁVEL

José Castellani

 

    No final de 1974, estando, o prof. Ariovaldo Vulcano --- médico e professor de Histologia --- então Soberano Grande Comendador do Supremo Conselho do Brasil para o Rito Escocês Antigo e Aceito, em Recife, concedeu uma entrevista, ao "Diário de Pernambuco", focalizando o diálogo com a Igreja, que fora o assunto tratado em um pronunciamento feito pelo Secretário Geral da CNBB, Dom Ivo Lorscheider. Trata-se de uma visão imparcial e objetiva do assunto, além de um certa dose de premonição, mostrando o descortino de um dos mais importantes e cultos maçons brasileiros, desta metade do século XX. E mostrando, também, que a melhoria do diálogo com a Igreja já ocupa a mente dos maçons há algum tempo. Eis o texto integral, publicado no nº 328, de 6 de dezembro de 1974, do "Diário de Pernambuco" para avaliação:

        
     LIDER MAÇÔNICO GOSTA DO DIÁLOGO COM A IGREJA

     "Foi com grande satisfação que, ao chegar em Pernambuco --- terra onde a chamada Questão Religiosa foi radicalizada  --- tomei conhecimento do pronunciamento feito à imprensa do Sul pelo secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil --- CNBB, dom Ivo Lorscheider, acerca da reaproximação entre a Igreja Católica e a Maçonaria"

    Esta afirmação foi feita ontem pelo Grande Comendador do Rito Escocês para o Brasil (Maçonaria Filosófica), professor Ariovaldo Vulcano, que veio ao Recife participar da Banca Examinadora do Concurso para catedrático da faculdade de Odontologia de Pernambuco.

 

    INICIATIVA VÁLIDA

    O fato de ter sido o reatamento de relações amistosas entre as duas instituições, objeto de acurados estudos pela recente Assembléia Geral dos Bispos muito nos alegra --- prosseguiu o professor Ariovaldo Vulcano --- porque foi a Igreja Católica que tomou a iniciativa de romper os laços fraternais existentes entre ambas  desde a instituição da Maçonaria no Brasil até o advento da Bula do Papa Pio IX, mas que agora através da sua hierarquia, toma outra vez a iniciativa do reatamento.

    Vale ressaltar --- continuou --- que a Maçonaria nunca hostilizou a Igreja Católica, como também nunva vetou a seus filiados professarem a fé cristã. É bom lembrar que o açodamento da Questão Religiosa em Pernambuco foi provocado pelo fato de muitos eclesiásticos e membros de Irmandades pertencerem  aos quadros das nossas oficinas, na época. Igual comportamento é mantido pela Sublime Ordem em relação aos demais credos religiosos e, para os que não sabem: a crenºa em Deus é questão "sine qua non" para ingresso na Maçonaria.

 

    ALTOS CORPOS

    No tocante á citação feita por dom Ivo Lorscheider do tópico da Resolução da Assembléia Geral dos Bispos, segundo o qual "A Igreja está disposta a rever a sua posição em relação à Maçonaria, não pode fazê-lo no momento, porque não conseguiu obter suficientes dados e informações oficiais (da própria Maçonaria) que lhe dêem segurança para rever as normas disciplinares vigentes para os católicos. Espera receber tais informações para prosseguir nos estudos em andamento", o dignitário maçônico assim se expressou:

   --- Apesar de me externar em caráter estritamente pessoal, acredito todavia que, se na realidade a CNBB estiver imbuida em restabelecer um melhor relacionamento entre as duas instituições, deverá iniciar gestões junto à Suprema Administração da Maçonaria no Brasil, para obter as informações e dados que deseja, no que tenho certeza que será atendida de maneira prazeirosa e cordial, pois até então desconheço tenha o Poder Central da Ordem recebido oficialmente algum pedido de informações da CNBB.

    Esse fato --- prosseguiu --- não invalida caso isolados já registrados  no País por parte de alguns Príncipes da Igreja, que se manifestaram, por palavras e ações, por uma aproximação com a Maçonaria, dentre os quais deve ressaltar a atitude do arcebispo de Aracaju, dom Luciano Duarte, que já estabeleceu o mais estreito relacionamento com a Maçonaria e vem recebendo desta a mais franca colaboração.

 

    ANTIGA ASPIRAÇÃO

    Na realidade --- afirma o professor Ariovaldo Vulcano --- é uma antiga aspiração das comunidades católicas e maçônicas que essa reaproximação se processe no mais curto espaço de tempo a fim de que venham a ter fim certos constrangimentos ainda remanescentes. Fixei-me --- continuou --- num estudo demorado da afirmação do secretário-geral da CNBB quando diz: "O problema agora não é mais a posição da Igreja em face da Maçonaria, mas da Maçonaria em face da Igreja" e "que a Resolução aprovada pelos bispos na sua recente Assembléia Geral para um melhor relacionamento entre as duas Instituições resultou em "um dos textos mais burilados".

    Afinal ---. alerta o dignitário maçônico --- cheguei à conclusão de que está havendo um consenso geral por parte da hierarquia da Igreja para essa reaproximação com a Maçonaria. O que falta é o diálogo. Que esse diálogo seja de logo iniciado junto aos Altos Corpos da Maçonaria através do próprio secretário-geral da CNBB, porque diante dessa afirmação pública feita por dom Ivo não se pode ter dúvidas quanto à sinceridade de propósitos da Igreja.

    Tanto é assim --- continuou --- que acredito se houve alguma consulta à Ordem Maçônica por parte da CNBB no que respeita a informações e dados sobre a Instituição, ela tenha seido respondida pelos Altos Corpos que não poderiam deixar de assim procederem diante de fato tão relevante. Partindo dessa premissa admito que a demora na apreciação de algum documento emitido pela Maçonaria seja conseqüência do ingente trabalho que desenvolve o secretário-geral da CNBB e não pela falta de atendimento de possiveis solicitações por parte da Maçonaria. Mas, se agora o problema "é da Maçonaria em face da Igreja", não tenho dúvidas de que a Suprema Administração da Ordem já esteja encaminhando providências para sua solução --- afirmou o professor Ariovaldo Vulcano.

    Finalmente devo afirmar que, a exemplo do que vem ocorrendo com a Igreja Católica desde o pontificado de Leão XIII e enfatisado por João XXIII durante o II Concílio Ecumênico --- a Maçonaria também vem reformulando  seus códigos e doutrinas, procurado se adaptar às condições da realidade presente, ou seja atendendo aos reclamos dos tempos modernos --- concluiu o dignitário maçônico.

 

NOTAS

1. A Questão Religiosa foi uma querela entre o Alto Clero e o Governo Imperial, no qual a Maçonaria entrou como Pilatos no Credo, já que a questão não lhe dizia respeito. O "x" da questão foi a prática do padroado --- herdada de Portugal, a qual fazia, dos padres, funcionários do Estado, sujeitos às imposições deste e não das autoridades eclesiásticas.

2. Na realidade, um violento manifesto anticlerical de Saldanha Marinho --- prócer maçônico destacado --- em 1872, muito contribuiu para azedar as relações com a Igreja.

3. Essa alegação foi feita muitas vezes, quando, na realidade, nenhum dignitário maçônico fora procurado.

4. Essa aproximação já existe, pois o Grande Oriente do Brasil colabora com a CNBB, em obras sociais ecumênicas. E, a convite dos jesuítas de Brasília, o autor destas notas, como representante do G.O, do Brasil, falou, em abril de 1999, sobre a História da Maçonaria, no Centro Cultural de Brasília, dos jesuítas, coisa impensável algumas décadas atrás.

 

                                                                                José Castellani

 

VOLTAR

 

Site Pessoal de Renato Burity

Copyright  ©  2002 - Todos os direitos reservados

Ilhéus (BA)