Mesmo
antes de oficializada a Inquisição, a mesma já se fazia presente em
pleno tumulto da Idade Média, para Oeste através da Europa marchavam
os chamados “demônios da heresia” arrebanhando adeptos e, segundo a
Igreja Romana perturbando a Ordem. Mas...muitos desses heréticos
eram simples clérigos e bem-intencionados que desejavam reformar o
que consideravam excessivo dentro da Igreja, desejam a volta à
piedade humilde de Jesus e seus discípulos, enquanto o Vaticano
cercado de uma Pompa Imperial, tamanho poder político e “poder
espiritual” gastava energia envolvendo-se em intrigas da corte.
Para os
reformistas que consideravam a igreja dispensável e acreditavam que
o Reino de Deus estaria no coração de cada um, a Igreja deu o seu
recado: organizou o primeiro grande Tribunal Público Medieval contra
a heresia em Orleans em 1022. Os réus? Evidentemente os reformistas
que pregavam dizendo aos quatro cantos do mundo que para encontrar
Deus não seria necessário um Templo de Pedras, muito menos a pompa
Imperial da Igreja.
Em inúmeros
Tribunais Civis e nas temidas cortes da Inquisição, a acusação era
sinônimo de condenação e a condenação uma sentença de morte das mais
variadas; flageladas e mutiladas pelos torturadores, a carne
dilacerada e os ossos quebrados, as vítimas confessavam coisas
absurdas; os que tivessem sorte seriam decapitados ou mortos de
maneira relativamente mais humana antes que seus corpos fossem
reduzidos a cinzas em fornos. E os azarados, queimados vivos e em
fogueira de madeira verde para que a agonia se prolongasse.
Os inquisidores
estavam ali enquanto o fogo martirizava a vítima, e incitavam-na,
piedosamente, a aceitar os ensinamentos da "Igreja" em cujo nome ela
estava sendo tratada tão "delicadamente" e tão
"misericordiosamente". Para que houvesse um contraste com a tortura
pelo fogo, também praticavam a da água:
“Amarrando as
mãos e os pés do prisioneiro com uma corda trancada que lhe
penetrava nas carnes e nos tendões, abriam a boca da vítima a força
despejando dentro dela água até que chegasse ao ponto de sufocação
ou confissão.”
Todas as
imaginações bárbaras do espírito de Dante, quando descreveu o
Inferno, foram incorporadas em máquinas reais que cauterizavam as
carnes, esticavam os corpos e quebravam os ossos de todos aqueles
que recusavam crer na "branda misericórdia" dos inquisidores.
Foi uma
verdadeira passagem de terror, que durou aproximadamente 600 anos
ceifando a vida de milhares de inocentes que não tiveram nem a opção
de lutar pela sua própria liberdade de expressão. Esse frenesi de
ódio e homicídio alastrou-se como fogo em diversos lugares
incendiando a vida civilizada; França, Itália, Alemanha, Espanha,
Países Baixos, Inglaterra, Escócia, Áustria, Noruega, Finlândia,
Suécia e por um breve período, saltaria o Atlântico inflamando até o
Novo Mundo.
A seita
denominada Waldenses – por causa do seu fundador, Peter Waldo, que
traduzira o Novo Testamento sem autorização – foi alvo de
perseguição por parte da Igreja mesmo antes de a Inquisição ter
realmente começado. A Inquisição perseguiu os Waldenses, cujos
pregadores itinerantes faziam votos de pobreza, por quase todos os
cantos da Europa. Típico foi o destino dos adeptos que buscaram
refúgio nos Alpes franceses, a inquisição cercou-os acusando-os
injustamente de invocarem demônios, provocarem tempestades, comerem
carne humana e envolverem-se com outros procedimentos heréticos, o
pouco que se sabe, 110 mulheres e 57 homens haviam sido condenados e
queimados vivos.
Quem cometesse
erros na interpretação das sagradas escrituras, quem criasse uma
nova seita ou aderisse a uma seita já existente, quem não aceitasse
a doutrina Romana no que se refere aos sacramentos, quem tivesse
opinião diferente da igreja de Roma sobre um ou vários artigos de Fé
e quem duvidasse da fé Cristã, todos eram torturados barbaramente.
Sorrir era
proibido! O tom sério afirmou-se como a única forma de expressar a
verdade e tudo que era importante e bom. O riso, por sua vez, era
visto como o oposto: a expressão do que era mau (pecado). O riso foi
declarado como uma emanação do diabo. O cristão deveria conservar a
seriedade sempre, para demonstrar seu arrependimento e a dor que
sentia na expiação dos seus pecados. É interessante notar que nas
histórias infantis medievais essa articulação entre bem e seriedade,
mal e riso é fortemente representada. A mocinha que é boa sofre
sempre e é tristonha; a bruxa ou feiticeira que é má está sempre
dando gargalhadas. Certamente que, seguindo o raciocínio moral da
Idade Média, no final da história o sofrimento será recompensado e o
riso castigado.
Haveria um tempo
em que qualquer bispo católico, no lugar de deter-se para salvar
vidas, estaria enviando centenas delas para a morte.
Mas...até mesmo
os clérigos não eram poupados, muitos eram acusados de envolvimentos
com práticas ocultas mais elevadas, todo o costume que fugisse da
tradição da Igreja era comparado a heresia. Época na qual “reinava”
a ignorância, poucos eram os que sabiam ler e escrever, privilégios
de alguns ricos, nobres, escalões da igreja e certamente clérigos,
sendo assim um clérigo era capaz de ler os antigos livros de magia
que circulavam sutilmente entre os chamados heréticos.
Mesmo nos níveis
mais altos da hierarquia eclesiástica e às vezes até nos altos
escalões, ninguém estava a salvo dos raios fulminantes da
inquisição. Frei Guillaume Adeline era prior de um importante
monastério em Saint-Germaine-em-Laye, era também renomado doutor de
teologia, ele foi acusado de prática de feitiçaria. Os inquisidores
alegaram que fora encontrado com ele um pacto por escrito com o
demônio. Para um intelectual de seu porte, mesmo em uma situação de
intensa dor e alto risco, as ofensas que foi obrigado a admitir
devem ter parecido ironicamente ridículas: manter relações sexuais
com um súcubo, voar montado numa vassoura, beijar o ânus de um bode.
O Frei Guillaume Adeline foi queimado vivo.
A tortura e o
temor distorciam a verdade, vizinhos acusavam-se mutuamente,
cristãos denunciavam companheiros de religião, crianças
testemunhavam contra os próprios pais, era família contra família,
esposas delatavam seus maridos, camponeses voltavam-se contra seus
senhores, foi um reinado de horror, no qual eram forçados a delatar
uns aos outros.
Numa cidade do
norte da França chamada Arras, um grande centro manufatureiro, um
pobre ermitão foi condenado a ser queimado como bruxo. Tentando
escapar da tortura, ele prontamente denunciou uma prostituta e um
velho poeta até então mais conhecido por seus poemas à Virgem Maria.
Estes dois, por sua vez, acusaram outras pessoas e logo começaram as
fogueiras.
E a Igreja foi a
principal responsável...pelas mudanças na atitude das pessoas e na
política oficial que resultaram numa grande carnificina.
Os métodos para
se extrair confissões não eram nada agradáveis, as pessoas não
tinham benefício de um júri e também não tinham permissão de
confrontar seus acusadores, aliás nem chegavam a saber a identidade
de seus delatores. As confissões eram extraídas de todas as maneiras
possíveis, já que nos termos da lei canônica os réus só seriam
condenados mediante confissão. Um exército de torturadores
trabalhava diligentemente para atingir esse objetivo. O quê
certamente conseguia.
A Inquisição
usava como método de obtenção de confissão a tortura e em alguns
casos ao extremo, levando o torturado à morte.
Segundo Enry
Thomas, grande historiador norte-americano, poderia ser escrito um
livro somente sobre as torturas empregadas pela inquisição, embora
nada agradável:
“O prisioneiro,
com as mãos amarradas para trás, era levantado por uma corda que
passava por uma roldana, e guindado até o alto do patíbulo ou do
teto da câmara de tortura, em seguida, deixava-se cair o indivíduo e
travava-se o aparelho ao chegar o seu corpo a poucas polegadas do
solo. Repetia-se isso várias vezes. Os cruéis carrascos, as vezes
amarravam pesos nos pés das vítimas, a fim de aumentar o choque da
queda.“
“Depois havia a
tortura pelo fogo. Colocavam-se os pés da vítima sobre carvão em
brasa e espalhava-se por cima uma camada de graxa, a fim de que este
combustível estalasse ao contato com o fogo."
De acordo com a
lei, tortura só podia ser infligida uma vez, mas essa regulamentação
era burlada facilmente...quando desejavam fazer repetir a tortura,
mesmo depois de um intervalo de alguns dias, infringiam a lei, não
alegando que fosse uma repetição, mas simplesmente uma continuação
da primeira tortura....
Uma das
experiências mais chocantes que podemos viver é visitar um museu que
expõe os instrumentos de torturas usados na Idade Média. É como
entrar numa câmara de horrores. É quase impossível acreditar que
aqueles objetos eram usados para ferir as pessoas. Aliás, visitar
museus que expõem instrumentos de torturas de qualquer época
histórica e de qualquer região do mundo é sempre uma experiência
muito dolorosa, porque nos depara com a crueldade humana elevada a
altíssima potência. São pessoas abusando de seu poder para ferir
outras pessoas que não podem se defender. A tortura é a expressão
máxima da covardia humana, por isso é tão doloroso lidar com esse
assunto.
O Juiz Heinrich
Von Schulteis de Rhineland do século XVII, considerava a tortura
agradável aos olhos de Deus. Ele chegou a cortar os pés de uma
mulher e despejar óleo quente nas feridas abertas.
Agora...que
opções tinham os réus? Pois eram torturados se necessário até a
morte para confessar qualquer absurdo, e quando confessavam eram
queimados vivos ou teriam a cabeça decepada entre outras formas
brutais e malignas de se tirar uma vida...
Quanto ao réu não
saber quem o acusou e acusou-o de que, isso era extremamente
interessante para a igreja, porquê dessa maneira a igreja pegava
qualquer pessoa que tivesse posses e a acusava de qualquer coisa,
assim sendo, a pessoa seria condenada e todos os seus bens
confiscados pela “Santa Igreja”.
Falsas acusações,
indulgências, pilhagens, saques tornaram a Igreja um Império
Poderoso, tanto político quanto “espiritual”: o Vaticano um país
dentro do território de outro país.
A arrogância
clerical e os abusos de uma igreja corrupta se tornavam cada vez
mais insuportáveis. No início do século XIII, o próprio Papa
afirmava que os seus respeitados sacerdotes eram “piores que animais
refocilando-se em seu próprio excremento”.
“Pescadores de
dinheiro e não de almas”, com mil fraudes para esvaziar os bolsos
dos pobres, assim eram descritos os bispos da época. De acordo com o
legado papal na Alemanha, eles reclamavam de que o clero em sua
jurisdição só sabia se refestelar de luxo e gulodice, não respeitava
jejuns, fazia transações comerciais, jogava e caçava. Eram enormes
as oportunidades de corrupção, até para a realização de seus deveres
oficiais exigiam dinheiro, casamentos e funerais sem pagamento
adiantado não existia e antes de uma doação não se realizava
comunhão, até mesmo os agonizantes ficavam sem seus últimos
sacramentos caso algumas moedas não tilintassem no cofre. As famosas
indulgências eram simplesmente uma renda extra.
Por ironia do
destino, tempos depois, a igreja acusava a Ordem dos Cavaleiros
Templários de toda a heresia possível, inclusive de homossexuais,
mas esquecera-se que dentro da própria igreja toda essa heresia era
um exemplo vivo, usurpadores, torturadores e também existiam os
homossexuais. O próprio Arcebispo de Tours foi um homossexual
notório que fora amante do seu antecessor e que exigiu na época que
o bispado vagado de Orleans fosse concedido ao seu amante. Mas esse
pequeno texto é apenas um detalhe, um livro bastante indicado é “A
Inquisição” (Michael Baigent & Richard Leigh) entre outros, o que se
torna bastante interessante quando comparamos.
Segundo o maior
poeta lírico alemão da Idade Média (os livros alemães são
importantes, mas raros e quase ninguém tem acesso), Walther Von der
Vogelweide (1170-1230):
“Por quanto em
sono jazereis, Ó Senhor?...Vosso tesoureiro furta a riqueza que
haveis armazenado. Vosso ministro rouba aqui e assassina ali, E de
vossos cordeiros como pastor cuida um lobo”.
Em novembro de
1207, o Papa Inocêncio III escreveu ao Rei da França e a vários
nobres do alto escalão francês, obrigando-os a suprimir os “hereges”
em seus domínios pela força militar, em troca recebiam variáveis
recompensas, desde absolvição de seus pecados e vícios, liberação de
pagamento de todo juro sobre suas dívidas, isenção da Jurisdição dos
Tribunais Seculares, além é claro de todas as vantagens explícitas
ainda recebiam permissão para saquear, roubar, pilhar e expropriar
propriedades. Sendo assim...surgiram batalhas uma após a outra,
massacres, que segundo a Igreja eram conhecidos como “Guerra Santa”
em nome de Deus, mas de um Deus que somente a igreja conhecia e se
beneficiava da sua proteção.
Assim teve início
a Inquisição em pleno tumulto da Idade Média por um decreto papal de
1233 que oficializava a lei do Vaticano. Nos cinco séculos seguintes
essa temível instituição continuaria consumindo o que ela julgava
como inimigos da igreja, heréticos ou feiticeiros às centenas de
milhares.
Na Provença, a
inquisição varreu os Cátaros da face da terra, os cátaros abraçavam
um extremo ascetismo e espalharam sua doutrina por boa parte do
continente durante os séculos XII e XIII, eles acreditavam que o
mundo físico estava impregnado pelo mal e tinha Satã como seu rei.
De acordo com essa lógica, a Igreja Católica era também um
instrumento do demônio e abomináveis eram todos os seus sacramentos.
Muitos nobres abraçaram a sua fé, arrebanharam um número enorme de
seguidores no sul da França, seus adeptos tornaram-se conhecidos
como Albigenses (Albi – Provença). A sua importância crescente
tornou-se um insulto intolerável para o poderio da Igreja Católica,
então a igreja decidiu apelar para a força...
E logo estendeu
seu braço para outras partes da França, depois da Itália e da
Alemanha. Na Espanha foi estabelecida sua própria inquisição,
utilizando os mesmo métodos brutais para perseguir mouros, judeus,
heréticos e qualquer grupo suspeito de prática de feitiçaria.
Assim teve início
a verdadeira “arte de matar”, onde o palco era a fogueira, os
acessórios eram os instrumentos de torturas e os figurantes eram o
povo suprimido que não tinham a quem recorrer ou pedir proteção,
porquê o Deus que até então tinham conhecimento era o mesmo Deus que
a Igreja utilizava-se para comandar a “Guerra Santa”.
Quando a
carnificina atingiu o auge nos domínios germânicos, em meados de
1600, povoados inteiros eram dizimados de uma só vez. Segundo alguns
relatos, o inquisidor da Saxônia, Benedict Carpzov assinou
pessoalmente nada mais nada menos do que 20 mil penas de morte.
Contudo, grande
parte dos documentos desses tribunais se perdeu e o número
verdadeiro de todos esses assassinatos jurídicos nunca será
revelado. De qualquer modo, tratou-se de uma experiência sombria,
horrível e vergonhosa para a civilização e para o cristianismo.
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